"Para existir grandes escritores, devem existir grandes espectadores também."

sábado, maio 8

Merecidos


Houve então o tempo que eu só tinha medo. Medo do que ela ia me dizer. Não importava se nada fazia sentido, a incoerente fazia ter. E a culpa, como esperado, reinava dias nos meus pensamentos. Ela tinha veneno na língua, o diabo nos olhos e minha estupidez ao seu favor. E, se não bastasse, o usava da maneira mais errada, fazendo sempre o mais útil pra suas próprias necessidades. O mundo era dela, e eu também era. Outra vítima contente. Me matava todas as vezes que pronunciava qualquer frase em tom diferente, era inacreditável quanta dissimulação cabia lá dentro, e mesmo assim, não abalava nem ao menos um mísero centímetro do que sustentava minha persistência. Houve então o tempo em que eu desejava ser surdo, mudo e cego. Qualquer deficiência que me poupasse do pedido de conversa. Qualquer deficiência que não me fizesse enxergar, ao menos ouvir tudo aquilo que sem saber porque, eu suportava. Eu não merecia. E ela, merecia tão mais do que alguém que mal doava compaixão. Mas ela ainda perdia noites e noites ali, desperdiçando seu talento comigo... É, vai ver, ela também me amava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário