"Para existir grandes escritores, devem existir grandes espectadores também."

domingo, junho 27

Eco



Você sabe que volta, eu sei que volta. Enganar com qual propósito? Uma gangorra, um bumerangue, uma bola de pingue pingue. Essas coisas que com quão maior forças distanciamos de nós, mais rápido voltarão. E mesmo passando dias se desfazendo das roupas antigas, das fotos passadas e das provas do crime, a essência fica. A fórma, a fôrma. O conteúdo pode até ir para no lixo, mas e o criador? Você sabe, eu sei que já tentei, que você tentou também e vejo que estamos aqui, repetindo, recriando. Mas o movimento repetitivo repercutia nas vaciladas da vida, nos momentos de fraqueza e de grandeza, nas oscilações de temperamento. E a gente corre pra sacudir daqui e dali, pra disfarçar daqui e dali. Ás vezes consegue, às vezes consigo. E este, é justamente o problema, quem muito sofre sabe disfarçar o sofrimento. Enfia a bala doce na boca depois do xarope amargo. Mas e aí, aonde ficam os extremos da verdade? Da verdade doída, da verdade aliviada? Quando a gente se poupa muito do extremo, tudo acaba sendo meio igual. Meio isso, meio aquilo. Meio à meio. Convém sofrer a metade constantemente? Conveio. Vim. Vou. Vamos. Até onde suportar. Suportarmos.

sábado, junho 26

Liberdade


Amar não é dar à uma pessoa o que ela precisa. O nome disso é compaixão. Amor não. Amar é dar à essa pessoa o que ela pede, indepedente das consequências de suas escolhas. É se doar, e se doer. Amar é mais do que nosso sofrimento mesquinho e fechado, nossas opiniões mesquinhas e fechadas, nossas soluções mesquinhas e fechadas. Amar ultrapassa a dor do eu, o desejo do eu quero, o tentar do eu posso. Amar ultrapassa a dor da consequência e da intervenção, mesmo sabendo que a concretização do conselho poupará o consolo. Amar é libertar.

terça-feira, junho 15

Às segundas-feiras



Às segundas-feiras ele esperava o café, o jornal, e o relógio. Mísero objeto que governa vidas, que constrói e destrói, ainda que só caminha em círculos. Mas em uma dessas segundas-feiras, algo mudou. Mais do que as fotos e as barbaridades estampadas na primeira página.
Havia um garoto, minutos depois que sentou no seu lugar de sempre, e este carregara um papel em mãos. O papel era algo que ele, o cara das segundas-feiras havia escrito. Algo que ele, o cara das segundas-feiras deixara por aí, sem esperanças que alguém desse atenção à suas palavras.

Dizia ele, o cara das segundas-feiras, que o mundo só se preocupava com três coisas: Os relógios, os jornais e os cafés. Diferente dele, que mantia aquela postura por costume. Rotulara costume como lixo contemporânio. Lixo, era o que ninguém se importava, aos olhos dele. O mundo acabaria assim, desde o primeiro até o último, todos, atolados no próprio lixo.

O garoto então se aproximara, cantarolando algo sobres as esperanças perdidas, aquelas do cara das segundas-feiras, as que estavam perdidas por aí, crentes da indiferença.

O escritor de gaveta, incrédulo diante dos elogios, vacilou sem sequer quebrar o tom sereno da varrida de olhos que consumia o jornal:
- Metade do que escrevo é lixo.
Mas a persistencia veio à tona, e assim como quem persiste, venceu.
- Então qual é a metade boa? - perguntou com aquela esperança nos olhos, na alma.

Foi nesse momento, somente nesse momento, que os olhos do escritor fixaram algo despercebido, perdido dente as linhas apertadas do jornal. Disfarçando seu interesse, vasculhou em segredo a imagem do garoto. Tomou o ultimo gole de café e respondeu com indiferença mórbida.
- Depende. Virá me perguntar novamente amanha? Se vier, considere os lixo, todos lixo, sem nenhuma excessão. - Depois de uma breve pausa, acrescentou - Todos. Sem excessão.
Ávido de curiosidade - ou de frustração, tentou novamente o tal garoto, sem ao menos ter ideia que havia desfeito a rotina do escritor. Parecia, até aquele momento, apenas ter alterado-a.
- Se tudo é lixo, aonde ficam as metades?

O garoto não obteve mais respostas. Não obteve sequer uma expressão convidativa ou restritiva - antes havera. Simplesmente fora deixado ali, e depois, tampouco quis saber de tudo. Saber o final da conversa, ou o inicio da resposta.
Havia entendido aonde as metades cabiam.
As metades cabiam nas explicações, nas crenças, na fé.
Sabedoria requer limitação, e quem muito se questiona, é por já não querer acreditar.
Aquela segunda-feira tornou-se eterna por ser a última. A última do café, do jornal e do relógio.

domingo, junho 13

Perdição


Só quem entende o que é se perder sabe o que fazer. Não faz. A gente não faz nada, não se procura. Pode haver o dia em que gente se encontre, se esbarre. E se gostar, finge que nada aconteceu, pra acontecer de novo. Ou até esquece. Nem mais lembra que se perdeu. Pra quê? Tudo já é tão cinza e mofado sem sequer ajudarmos. Então deixa, se você se perder, não perca tempo lamentando. Pra quem estiver perdido, eu ensino, aproveita a perdição.

Mesquinhagem


É impossível esse tal jeito que te amo. Juro. Ninguém mais sabe essas coisas que sei, ninguém lida com nada que passo, sinto. Podem até achar que é egoísmo esse título de narcisismo do avesso, uma vez que te amo tanto, tanto, que sou menos eu. Sou você. Mas no fundo é medo, meu medo também. Uma coisa tão sua, tão somente tua que deixa passar. Ninguém nunca entenderia, se queres a verdade. Não essas pessoas mesquinhas e enfiadas no seu próprio umbigo, que mal sabem o que é cumplicidade. O que é nós dois. Já me apresentaram o pra sempre, já me quiseram assim. Mas e agora, como eu chamo quando te quero mais que isso? Como eu posso expressar a verdade por meio de palavras quando as que me dispõem foram tão banalizadas? Amor? Amar? Não. Bem mais que isso. Você ao menos entende? Acho que só eu posso saber, sentir.

(Matheus)

terça-feira, junho 1

Rebata com força


Estão sempre arremessando em nossa direção, e não importa se defendemos, se esquivamos ou se nos acertam em cheio. De fato não muda, nós somos o foco. O que muda, é a intensidade do arremesso, a intenção do arremesso, o dito cujo arremessado. Justo: entre amor e ódio, não importa o que a vida lhe oferecer, apenas rebata. Rebata com força.

Lixo


Quem sabe um dia as coisas melhorem. E, não se tornem só melhores, mas agradáveis, no tempo em que as puder escolher, governar, ser dona de mim. Sinto como se essa tarefa de ser dona de mim fosse uma questão de reciclar, nascer de novo. Abandonar todas as coisas de mim que até hoje sei, e como num passe de mágica acordar em outra casa, em outra cama, com outras pessoas por perto, ou de preferência sem elas. Ah, como seria bom sem elas. Sem ninguém além de mim, ninguém que me faça lembrar que eu não sou apenas aquilo que acho que sou - que sou mais. Que não sou o que penso ser, o tento ser. Só aí seria dona de mim, quando não houvesse mais ninguém que tentasse se apossar um pouco do que eu sou, do que acha que sou. Mas o que me entristece não é só o tempo, antes fora. Antigamente era fácil, somava-se um ano ou dois para meu reciclamento, e a cada dia que se passava, era um dia à menos, fácil. Agora nem essa certeza eu tenho, a certeza de que algum dia eu serei somente minha, sem nenhum intromissão. E o pior dessa visão pessimista que me faz descrer em tudo o que um dia me fazia tentar, é justamente nem mais querer tentar, não querer acreditar. As coisas permanecerão como estão, sem mudanças, por mais um ano ou dois, e depois desses um ano ou dois, permanecerão intocáveis por mais um ano ou dois, e assim até quando eu puder suportar essa dor de realidade. Essa dor de insiguinificancia, que me faz cada dia mais incapaz de tentar mudar alguma coisa, encontrar uma escapatória. Agora nem mais isso, todo o meu plano de auto-salvação resume-se em lixo. um punhado de lixo dos outros sobre os meus planos, os meus sonhos, os meus medos. Sobre o meu lixo. Me atolando cada dia mais, me tornando cada vez mais realista e cada vez menos dona de mim. E termina assim quando desacredita-se em sonhos, quando desacredita-se em melhoras. Quando você não acredita mais em nada para de lutar por tudo o que já quis um dia. Termina no lixo, no seu lixo, no lixo dos outros. Na pilha dos seus medos e das descrenças alheias. Se afunda, irreciclável, enquanto o resto do mundo faz planos pra daqui um ano ou dois e continuam pouco se lixando pra você.