"Para existir grandes escritores, devem existir grandes espectadores também."

terça-feira, junho 1

Lixo


Quem sabe um dia as coisas melhorem. E, não se tornem só melhores, mas agradáveis, no tempo em que as puder escolher, governar, ser dona de mim. Sinto como se essa tarefa de ser dona de mim fosse uma questão de reciclar, nascer de novo. Abandonar todas as coisas de mim que até hoje sei, e como num passe de mágica acordar em outra casa, em outra cama, com outras pessoas por perto, ou de preferência sem elas. Ah, como seria bom sem elas. Sem ninguém além de mim, ninguém que me faça lembrar que eu não sou apenas aquilo que acho que sou - que sou mais. Que não sou o que penso ser, o tento ser. Só aí seria dona de mim, quando não houvesse mais ninguém que tentasse se apossar um pouco do que eu sou, do que acha que sou. Mas o que me entristece não é só o tempo, antes fora. Antigamente era fácil, somava-se um ano ou dois para meu reciclamento, e a cada dia que se passava, era um dia à menos, fácil. Agora nem essa certeza eu tenho, a certeza de que algum dia eu serei somente minha, sem nenhum intromissão. E o pior dessa visão pessimista que me faz descrer em tudo o que um dia me fazia tentar, é justamente nem mais querer tentar, não querer acreditar. As coisas permanecerão como estão, sem mudanças, por mais um ano ou dois, e depois desses um ano ou dois, permanecerão intocáveis por mais um ano ou dois, e assim até quando eu puder suportar essa dor de realidade. Essa dor de insiguinificancia, que me faz cada dia mais incapaz de tentar mudar alguma coisa, encontrar uma escapatória. Agora nem mais isso, todo o meu plano de auto-salvação resume-se em lixo. um punhado de lixo dos outros sobre os meus planos, os meus sonhos, os meus medos. Sobre o meu lixo. Me atolando cada dia mais, me tornando cada vez mais realista e cada vez menos dona de mim. E termina assim quando desacredita-se em sonhos, quando desacredita-se em melhoras. Quando você não acredita mais em nada para de lutar por tudo o que já quis um dia. Termina no lixo, no seu lixo, no lixo dos outros. Na pilha dos seus medos e das descrenças alheias. Se afunda, irreciclável, enquanto o resto do mundo faz planos pra daqui um ano ou dois e continuam pouco se lixando pra você.

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