"Para existir grandes escritores, devem existir grandes espectadores também."

quarta-feira, agosto 25

Ao teu benefício


Pensa assim, como algo inevitável, não uma perda, mas uma fatalidade qualquer, daquelas que existem em todos os cantos do mundo, lados das ruas, paredes dos quartos. Pensa como qualquer encerramento formal, nunca como um fúnebre fim - não. Porque a dor, aquela dor que tem que se sentir é mais aguda que essa dor de perda, de morte. Dor de morrer somente pra ti, e continuar vivo pro resto do mundo.
Então faça questão apenas de atar os pontas, amarrar as fitas, enfeitar o pacote. Feche-o e envie ao destinatário - contenha as lágrimas - contendo dentro todas as lembranças que possam te trazer o inverso do que traziam ontem. Sabes que é o fim.
Logo, não o deixe apodrecer em teu porão, não varra-o pra de baixo do tapete, ou o cubra com os agasalhos na parte esquecida do armário, não. És belo ainda, pensa, transforma tua dor em algo bonito e envia. Construa por meio da tua desgraça alguma glória, mesmo sem nenhum beneficio próprio, e envia. Por fim, faça-o. Talvez não tenhas percebido que um dia tua felicidade fora também as desgraças com fitas de outra pessoa, amargamente cobertas de purpurina salgadas. Agora então, repasse a corrente sem pragas nem mágoas, junte as migalhas e encaminhe distanciando seu sofrimento. Basta trechos que ficaram em tua pele, gaveta e olfato. Contente-se também com as foto já reveladas e nunca ouse revelar os filmes guardados. Estes não revelaram a eternidade dos tais momentos. Sua eternidade é tão instantânea quanto os sorrisos programados usados à seu fim. Acredite, ela não existe, nem pra quem ama, por não haver amor eterno. De eterno existe apenas o que restou em você. Em tempo, encaminhe a tristeza e tente fazê-lo amor.

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