"Para existir grandes escritores, devem existir grandes espectadores também."

terça-feira, maio 4

Mais uma manhã


Sofrer cansa, consome. Te exige tempo, paciência e um estômago gigante pra digerir suas infelicidades todas as manhãs, quando levanta-se da cama. É olhar no espelho, e ver a pior expressão possível e ainda reafirmar: Hoje vou sofrer igual ontem, ou mais. Ou mais. Mais! É um extremo sacrifício com o que você deveria ter de amor próprio. Um assassinato, bem por aí. Não é mais fácil lavar o rosto, se trocar e sair por aí distribuindo sorrisos pra fisgar alguns de volta, com gosto de ânimo. Não é não. O legal mesmo é voltar pra cama e se perder mais um dia, dentro dos seus próprios medos e inseguranças. Eu poderia perceber que tenho mais uns cinquenta anos de vida no mínimo e tô perdendo mais uma manhã aqui, mas pra que? Ainda tenho mais uns cinquenta anos de manhãs que posso acordar animada. Acaba-se pensando assim pelos próximos cinquenta anos. Mas sofrer, pensa, é uma prova de atitude, de concentração. Você não pode nem rir do seriado da tv, se ri, logo disfarça - Já foi melhor - é um esforço gigantesco sair assassinando os vestígios de felicidade que tentam te contagiar por aí. Então aquela nuvem preta que fica sobre a sua cabeça começa a te acompanhar por aí, cuspindo trovões e raios em todos aqueles que tentam te animar, afinal, sofrer necessita concentração. E você até decora as virgulas e os choros de cada parte da história que passa a contar a qualquer um que dê uma brecha pra se contagiar com seu sofrimento. Pra sofrer é necessário vocação. E quer saber? Eu passei a ter preguiça de sofrer.

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